Por Marcos Relvas em 04/11/2014 | Direito Tributário | Comentários: 0
Questões materiais e processuais sobre a Grande Tese Tributária relativa à incidência da Contribuição Previdenciária em verbas trabalhistas de caráter indenizatório e compensatório.
Este artigo é fruto de perguntas que foram realizadas por advogados estudiosos do assunto no curso das Grandes Teses Tributárias ministrado por mim no formato de aulas on line ao vivo no Instituto Brasileiro de Direito – Ibijus.
Por reconhecer a pertinência e importância das perguntas resolvi não apenas responde-las ao vivo, mas me debruçar um pouco mais sobre cada uma e compartilhar o resultado dessas pesquisas, posto que serviram para a ampliação de meus conhecimentos e acredito que também será útil para os colegas.
Questão 1
Os estudos dessa tese sempre mencionam a contribuição previdenciária parte empregador. Apesar da responsabilidade pelo recolhimento ser sempre deste, nos casos de relação de trabalho, o empregado é também contribuinte dessa mesma contribuição tendo em vista que uma parte do valor recolhido é descontado de sua remuneração. Considerando que a base de cálculo para esse recolhimento também abrange verbas indenizatórias e compensatórias, poderia o empregado pleitear a restituição da contribuição relativa a esses recolhimentos?
Resposta:
Sim, é possível tanto na forma individual como na forma coletiva empregados pleitearem a restituição de contribuição previdenciária recolhida da parte do empregado relativa à verbas indenizatórias e compensatórias. Há no Supremo Tribunal Federal um leading case que trata desse assunto, mas no âmbito do funcionalismo público cujo regime previdenciário e regido por outra legislação. Contudo analisando o artigo 28 da Lei 8.212/91 verificamos essa viabilidade.
Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
A interpretação é exegética, literal restando claro que o salário-contribuição que é base de cálculo da contribuição previdenciária parte do empregado é composta de rendimentos destinados a retribuir o trabalho, deve ser habitual e somente relativo aos serviços efetivamente prestados ou pelo tempo que ficou a disposição do empregador ou tomador de serviços.
Ou seja, da mesma forma as verbas de caráter indenizatórios e compensatórios que não atendam essa descrição estrita, não podem ser base de cálculo para esse recolhimento, seguindo a mesma esteira das ações dos empregadores e também dos empregados da área pública.
Essa é uma possibilidade bastante interessante para o advogado que atua ou pretende atuar nessa área, porque além das empresas e seus respectivos sindicatos ou associações é possível se atuar também junto a sindicatos de trabalhadores de diversos segmentos para a propositura dessa ação coletiva.
No caso da parte dos empregadores muitas vezes uma única empresa pode ter valores significativos para restituir, o que não ocorre individualmente no caso da parte dos empregados, o que nos conduz a indicar neste caso, sempre que possível, as ações coletivas.
Para o caso de atuação junto a funcionários da área pública o leading case do STF RE 593.068-8 de Santa Catarina traz todos os elementos para o colega conhecer o assunto a fim de atuar com segurança, além de servir como analogia e jurisprudência para os funcionários da área privada.
Questão 2
Qual o impacto na aposentadoria do empregado que obtém sucesso nas restituições a que se referem a Questão 1?
Resposta:
Essa é uma pergunta interessante e que demonstra bem o grau de responsabilidade que tem o advogado ao propor uma ação dessa natureza no sentido de transmitir a seus clientes todas a as possibilidade de impacto possíveis de se vislumbrar em razão dessa medida.
Dentro dos limites da pesquisa que realizei não encontrei nada que pudesse embasar uma resposta de forma técnica e precisa. Contudo, com base em uma análise lógica esse impacto deve ser bem pequeno, exceto se atingir o Descanso Semanal Remunerado (aí a média salarial dos últimos anos que formará a base da aposentadoria poderá ficar reduzida de forma significativa e o empregado terá que ponderar o custo benefício dessa ação). Considerando apenas as verbas indenizatórias eventuais penso que não afetará a média geral para fins de aposentadoria.
Convido aqui os colegas da área previdenciária para participar desse debate.
Questão 3
Ficou firmado que a presente tese não se aplica para empresas que estejam inseridas na tributação pelo Sistema do Super Simples, contudo qual seria a orientação para aquelas que não estavam beneficiadas nos últimos 5 anos e para aquelas que estão no sistema mas são alcançadas pela lista do chamado Anexo IV da Lei Complementar 123/2006?
Resposta:
Tanto num caso quanto no outro a presente tese pode ser aplicada.
No caso das empresas que entraram no sistema do Super Simples dentro dos últimos 5 anos, é possível apenas a ação de restituição dos valores pagos indevidamente durante o período que recolheu fora do sistema beneficiado. Caberá neste caso uma avaliação do custo/benefício de uma ação dessa natureza. No caso das empresas que se encontram no Super Simples, mas estão listadas no Anexo IV da lei, o sistema de recolhimento das contribuições previdenciárias é normal, sem qualquer benefício, podendo sim ingressar com ações tanto no sentido de interromper pagamentos futuros como para restituir o que foi pago a maior ou indevidamente pelos fundamentos aqui estudados.
Questão 4
Estudamos que as empresas alcançadas pelo benefício da desoneração da Folha de Pagamento não podem se beneficiar dessa tese, pois que não se inserem mais naquela sistemática de recolhimento. Pergunta-se se o período anterior ao ingresso no benefício é passível de restituição e se a desoneração é obrigatória ou opcional para os segmentos contemplados, haja vista que há setores que passaram a recolher mais contribuição previdenciária por esse sistema?
Resposta:
Para os segmentos empresariais contemplados na Lei de Desoneração da Folha de Pagamento a sistemática é obrigatória. O período anterior ao ingresso é passível sim de aplicação da presente tese.
Quanto aos setores que viram seus recolhimentos aumentarem com a aplicação da nova sistemática, tem sido aventado a hipótese de uma discussão sobre a constitucionalidade da obrigatoriedade do sistema, haja vista que estaria em desacordo com o próprio nome da Lei (desoneração) caso na prática se observe uma oneração.
Se é para desonerar e a empresa prova que ficou onerada pode pleitear a inconstitucionalidade da obrigatoriedade e a devolução dos valores pagos a maior. Não há julgamento nesse sentido ainda que eu conheça.
Questão 5
É cabível a via mandamental para essa tese. Em caso afirmativo ele é ordinário ou preventivo? Quais os fundamentos processuais de um de outro?
Resposta:
Considerando que no caso desta tese o que se pleiteia é direito líquido e certo expresso em lei e que a discussão do mérito vai recair apenas sobre a interpretação relativa ao caráter indenizatório/compensatório da verba trabalhista em questão o Mandado de Segurança é cabível e pode assumir tanto a possibilidade ordinária como a preventiva.
Ele pode ser pela via ordinária quando é precedido de um pedido administrativo relativo ao assunto. Mediante a negativa ou mesmo falta de decisão em tempo adequado, é cabível o Mandado Segurança ordinário, cujo ato coator é a negativa a um pedido administrativo de direito líquido e certo e a autoridade coatora será o responsável pela decisão administrativa.
Contudo, dada a notoriedade da obrigação tributária exigida indevidamente, a via preventiva é cabível principalmente para as ações coletivas e tem sido acolhida pelo judiciário.
Se for o caso, é possível o questionamento incidental de inconstitucionalidade de parte da legislação que possa obstar esse direito, como é o caso do Salário Maternidade.
O Mandado de Segurança preventivo se aplica apenas quando há o pedido de interrupção de pagamentos futuros. Para os casos apenas de restituição dos valores pagos indevidamente quando as empresas já não estão mais sujeitas ao recolhimento que a presente tese discute (esteja inserido na desoneração da folha de pagamento ou no super simples), a via mandamental ordinária é a mais indicada.
Questão 6
Tanto em sede de Mandado de Segurança como numa ação Ordinária é possível pedir liminarmente, além da interrupção do pagamento futuro, a compensação dos valores pagos indevidamente?
Resposta:
Não. O parágrafo 2.o do art. 7.o da Lei 12.016/2009 que disciplina o Mandado de Segurança é explícito:
Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
§ 2o Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
Ainda que causando polêmica doutrinária e jurisprudencial na via ordinária há também a vedação do art. 1.o da Lei 8.437/92 para a concessão de medida liminar contra a Fazenda Pública em especial para fins de compensação, o que no caso em estudo é desaconselhável, dada a forte jurisprudência favorável ao fisco.
Questão 7
Algumas verbas têm hoje um entendimento consolidados nos tribunais superiores como tendo caráter indenizatório/compensatório. A pergunta é se há ainda algumas divergência quanto a elas?
Resposta:
Como estamos falando de jurisprudência e não temos ainda uma súmula vinculante as divergências podem sim ocorrer ensejando sempre um grau de risco em todos os casos. Dentre as 5 ou 6 mais firmes o Salário Maternidade é o que sofre mais variações posto que apesar do forte entendimento de que seja uma verba indenizatório/compensatória ele consta de forma expressa na lei que é base de cálculo para a contribuição previdenciária e nesse caso somente mediante um posicionamento definitivo do STF essa questão poderá ser dirimida. Esse posicionamento somente trará segurança jurídica com súmula vinculante específica ou através de algum dos mecanismos de controle de constitucionalidade concentrado.
Lembrando sempre que mesmo decisões tanto em sede de súmula vinculante como em no controle concentrado da constitucionalidade podem sofrer modificações futuras conforme novo entendimento da corte suprema.
Essa é uma compreensão importante para todos os operadores do Direito e de difícil compreensão para os leigos. Lidamos com uma ciência que é o reflexo do comportamento do homem que sofre influências muito diversas ao longo do tempo tanto em face das alterações de comportamento como da própria representação do mundo que cada julgador influente possa ter.
São essas as considerações que gostaria de fazer e espero que possam ser úteis para colegas que têm se debruçado sobre essa temática.
Para mais informações sobre o tema acesse os sites do professor:
www.direitotributarioprofissional.blogspot.com.br
www.relvas.com.br
As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus
Sobre o autor
Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCC (1984) e mestrado em Direito pela Universidade de Franca - UNIFRAN (2004). Possui MBA em Gestão Empresarial pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS (2004). Publicou o livro Comércio Eletrônico Aspectos Contratuais da Relação de Consumo - Editora Jurua (2005). Foi Coordenador da pós-graduação em Direito da Universidade de Cuiabá - UNIC e Professor de Direito na graduação na Faculdade Afirmativo de Cuiabá e Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. Foi Coordenador da pós-graduação geral da Faculdade Cathedral de Barra do Garças-MT e Professor de Direito na graduação. Tem experiência como advogado nas áreas do Direito Empresarial, Tributário e Direito Internacional Privado. Atualmente é consultor jurídico independente e presidente da Associação Brasileira de Contribuintes.