Por Marcos Relvas em 06/06/2018 | Direito Tributário | Comentários: 3
Anna Paula Cavalcante G Figueiredo
Hoje decidi fazer uma breve reflexão sobre outra questão que causa grande confusão a muitos colegas que trabalham com a restituição de tributos.
Frequentemente sou questionado, sobretudo em relação à tese da TUST/TUSD, acerca da possibilidade do pedido de restituição em dobro do ICMS pago indevidamente. E minha resposta é: Não é possível o pedido da devolução em dobro caríssimos! E vou te explicar sucintamente o porquê da minha resposta.
Repetição do indébito em dobro: previsão legal e hipótese de aplicabilidade
A possibilidade de pedido de restituição em dobro possui amparo legal no art. 42, parágrafo único, do CDC.
Diz o referido dispositivo legal o seguinte: “o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”.
Ora colegas, o Código de Defesa do Consumidor é um diploma normativo que se aplica às relações de consumo.
Trata-se de uma cláusula punitiva daquele que cobra indevidamente o consumidor, de modo a desestimular condutas do tipo.
Ademais, é interessante pontuar que está pacificado na jurisprudência contemporânea do STJ que o pedido de repetição do indébito em dobro somente é possível nos casos de comprovada má-fé ou dolo do fornecedor ou credor.
Inaplicabilidade das disposições consumeristas aos casos de restituição do ICMS indevidamente cobrado sobre a TUST/TUSD
As disposições do Código de Defesa do Consumidor não se aplicam aos processos em que se pleiteia a restituição do ICMS indevidamente pago sobre as contas de energia. Isso ocorre porque no caso não temos uma relação de consumo, mas sim o trato direto com o Fisco brasileiro. Explique-se.
Claro que entre o consumidor e a concessionária de energia elétrica é desenvolvida uma relação de consumo, pois há a prestação de um serviço. Todavia, não se pode olvidar que as ações de restituição do ICMS sobre a TUST/TUSD são ações tributárias. E, o pólo passivo da ação é a Fazenda Pública Estadual, não a empresa concessionária de energia elétrica.
Assim, estando o Fisco no pólo passivo da ação, não há que se falar na aplicabilidade de disposições consumeristas, tampouco na viabilidade do pedido de restituição em dobro. A repetição do indébito, neste caso, seguirá as regras dispostas no art. 165 a 169, do CTN, que nada dispõe sobre o pagamento em dobro.
E aqui eu quero frisar o seguinte: essa ideia vale para qualquer ação em que se discuta a restituição de tributos.
É claro que você vai encontrar por ai argumentos e pessoas defendendo a possibilidade jurídica do pedido de repetição do indébito em dobro para as ações tributárias. Todavia, eu não recomendo a defesa da tese, pois já foi rechaçada na jurisprudência pátria. Para respaldar meu entendimento colaciono a seguir enxertos de julgados pertinentes a nossa discussão:
AÇÃO DECLARATÓRIA DE ISENÇÃO DE TRIBUTO CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO. (...) RESTITUIÇÃO EM DOBRO DAS PARCELAS. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS RELAÇÕES TRIBUTÁRIAS. (...) 6. O pedido de restituição em dobro dos valores pagos não encontra amparo nas demandas concernentes às relações tributárias, as quais subsumem-se às normas de Direito Público, de feição jurídica diversa daquelas concernentes às relações de consumo, constantes do Código de Defesa do Consumidor. (...) (TRF-2, AC: 409177/RJ, 2004.51.01.009443-2, Rel. Des. Federal Luiz Antonio Soares, Quarta Turma, Data de Julgamento: 04/03/2008, DJU 30/04/2008)
(...) Não se aplica à repetição do indébito tributário o disposto no art. 42, parágrafo único, do CDC, eis que a relação entre a Fazenda Municipal e o contribuinte não é de consumo. (...) (TJSP, APL: 00038881220098260244/SP, 0003888-12.2009.8.26.0244, Rel. Des. Carlos Giarusso Santos, Décima Oitava Câmara de Direito Público, Data de Julgamento: 31/01/2013, Data de Publicação: 05/02/2013)
Por hoje caríssimo era isso o que queria compartilhar com você! Espero que nossa conversa tenha sido útil para aclarar mais uma dúvida frequente sobre a restituição de tributos.
Referências:
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Publicada no Diário Oficial da União de 27. out.1966, e retificado em 31. out.1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm>.
________. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial da União de 12. set. 1990 - Edição extra e retificada em 10. jan. 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8078.htm>.
________. Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Apelação nº 00038881220098260244/SP, 0003888-12.2009.8.26.0244. Relatoria do Desembargador Carlos Giarusso Santos. Décima Oitava Câmara de Direito Público. Data de Julgamento: 31. jan. 2013. Data de Publicação: 05. fev. 2013. Disponível em: <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/113942992/apelacao-apl-38881220098260244-sp-0003888-1220098260244/inteiro-teor-113943001?ref=juris-tabs>.
________. Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Apelação Cível nº 409177/RJ, 2004.51.01.009443-2. Relatoria do Desembargador Federal Luiz Antonio Soares. Quarta Turma. Data de Julgamento: 04. mar. 2008 DJU 30. abr. 2008. Disponível em: <https://trf-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1489378/apelacao-civel-ac-409177-rj-20045101009443-2/inteiro-teor-100669335?ref=juris-tabs>.
As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus
Sobre o autor
Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCC (1984) e mestrado em Direito pela Universidade de Franca - UNIFRAN (2004). Possui MBA em Gestão Empresarial pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS (2004). Publicou o livro Comércio Eletrônico Aspectos Contratuais da Relação de Consumo - Editora Jurua (2005). Foi Coordenador da pós-graduação em Direito da Universidade de Cuiabá - UNIC e Professor de Direito na graduação na Faculdade Afirmativo de Cuiabá e Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. Foi Coordenador da pós-graduação geral da Faculdade Cathedral de Barra do Garças-MT e Professor de Direito na graduação. Tem experiência como advogado nas áreas do Direito Empresarial, Tributário e Direito Internacional Privado. Atualmente é consultor jurídico independente e presidente da Associação Brasileira de Contribuintes.