Desconsideração da Personalidade Jurídica e o Princípio da Autonomia no Direito Tributário


Por Marcos Relvas em 29/03/2016 | Direito Tributário | Comentários: 0

Desconsideração da Personalidade Jurídica e o Princípio da Autonomia no Direito Tributário

A personalidade jurídica é uma ficção concedida às pessoas físicas coletivamente organizadas que tenham objetivos econômicos comuns.

A personalidade jurídica visa também proteger o patrimônio pessoal dos sócios dos riscos da atividade comercial, garantindo àqueles que se associem, a integridade dos bens que não integram a sociedade. Esta proteção é feita através do Princípio da Autonomia Patrimonial.

Este princípio prevê a total separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o das pessoas físicas de seus sócios, ou seja, estipula que quem se responsabiliza pelos atos praticados pela pessoa jurídica é o patrimônio desta e não o patrimônio de seus sócios e/ou administradores.

Isto quer dizer que em qualquer situação em que a sociedade seja devedora, tanto de seus clientes, fisco como de qualquer terceiro a ela ligado, seus sócios jamais responderão pelos atos que foram praticados em nome da sociedade, mesmo que tenham sido eles próprios os responsáveis pelos atos que geraram tal dívida. De acordo com o Princípio da Autonomia Patrimonial sempre será o patrimônio da sociedade que responderá pelos atos desta, e não o de seus sócios.

Na legislação brasileira as pessoas jurídicas têm existência distinta da de seus membros e uma vez não comprovada infração à lei ou aos estatutos da companhia, não há como se agredir o patrimônio pessoal dos sócios sob pena do princípio da autonomia patrimonial contemplado expressamente nos dispositivos legais do Direito Comercial virarem letra morta.

A teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, funda-se no fato de que sendo a pessoa jurídica criação da lei, não pode a mesma ser utilizada como meio de se obterem resultados repelidos pelo direito, devendo-se, pois, coadunar o princípio da autonomia patrimonial com o da boa-fé e com a necessidade de segurança nas relações jurídico-comerciais.

A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica parte do pressuposto de que o “benefício” obtido pelas sociedades personificadas está sendo utilizado em atos contrários aos fundamentos de sua concessão, o que possibilita que os órgãos de defesa da sociedade (administrativos e judiciais) – em virtude da supremacia de um interesse social – desconsidere sua personalidade jurídica.

Com base no exposto, pode-se deduzir três grandes princípios norteadores para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, sendo eles:

• Utilização abusiva da pessoa jurídica no sentido de que a mesma sirva de meio, intencionalmente, para esquivar-se da obrigação legal ou contratual, ou mesmo fraudar terceiros;

• Necessidade de se impedir violação de normas e direitos societários;

• Evidência de que a sociedade é apenas um disfarce de comerciante em nome individual, ou, seja, pessoa física que age em proveito por meio da pessoa jurídica.

 Ocorre que as procuradorias dos diversos órgão fiscais brasileiros de todos os entes políticos, ao arrepio da lei, lançam os nomes dos sócios das empresas devedoras do fisco como devedores solidários sem qualquer procedimento exigido por lei para a desconsideração da personalidade jurídica. É comum encontrarmos créditos tributários expressos em Certidões de Dívida Ativa corretamente lançados em nome exclusivo da pessoa jurídica virem depois acompanhados dos nomes dos sócios pessoas físicas na petição inicial da execução fiscal, sem qualquer providência processual legal para tanto. Pior do que isso é quando o nome do sócio aparece no meio da execução através de uma simples petição inserindo-o como devedor solidário, já pedindo penhora bens, por entendimento unilateral e via de regra aceito pela maioria dos juízes causando prejuízos à essas pessoas e insegurança à sociedade que não se vê protegida por dispositivo legal expresso.

Mesmo que o fisco entenda que tenham sido preenchidos os requisitos do art. 135 do Código Tributário Nacional (única possibilidade legal de responsabilização pessoal de terceiros por créditos tributários de pessoa jurídica), os atos de excesso de poderes ou infração de lei, dos contratos sociais ou estatutos precisam ser comprovados sob pena de se atribuir ao fisco poderes unilaterais de julgar a existências desses atos em seu próprio favor e benefício

Atribuir a um dirigente de uma empresa a culpa de cometimento de infração à lei ou a estatutos da empresa, sejam essas infrações de gravidade menor ou maior, de caráter cível ou penal tem que ser comprovadas tendo como base os fundamentos do direito penal de responsabilidade.

A teoria finalista da Ação, vigente em nosso sistema jurídico atual foi proposta por Hans Welzel, em 1931, considerando que toda ação humana é dirigida para uma finalidade, ou melhor, que a atitude humana tem um sentido e direção, sendo necessária a vontade humana, e dirigida para uma finalidade, para caracterizar a conduta antijurídica, capaz de configurar o delito.

Dessa forma, a vontade tem suma importância, pois é essencialmente do ser humano, uma vez que, dotado do livre arbítrio e pleno conhecedor das causas e diferentes consequências que suas ações podem ocasionar, é que não se pode desprezar a vontade humana, sob pena de não haver responsabilidade.

Neste mesmo entendimento leciona o prof. Manoel Pedro Pimentel: " O elemento subjetivo comum é o dolo especifico, consignado na exigência de uma particular intenção, que constitui um elemento subjetivo do injusto, existente em cada um dos tipos. Essas especiais intenções, que convertem as figuras enumeradas em tipos anormais, estão indicadas da seguinte maneira I – com intenção de eximir-se"; II – "com intenção de exonerar-se"; III – "com o propósito de"; IV – "com o objetivo de"; e V – "para si ou para o contribuinte".

Assim, segundo Damásio Evangelista de Jesus, em artigo publicado em 1995, " dissociar a vontade da conduta humana é equiparar o homem aos animais irracionais ou aos fenômenos da natureza. Portanto, como punir um fenômeno da natureza ou um animal? Quem é responsável? Ou pode-se responsabilizar o animal pela sua atitude?

Conclui-se com isso, que é inaceitável o desprezo da vontade para a caracterização de uma atividade infratora, seria desprezar a condição peculiar do homem enquanto ser humano, seria negar sua racionalidade.

Disto é que se faz necessária a instauração do competente processo criminal, como processo de conhecimento para averiguar por todos os meios permitidos em direito a conduta do contribuinte, e assim, declarar sua culpabilidade ou não, conforme instrução do processo e do princípio do livre convencimento do Juiz, nos casos de infrações tributárias tipificadas como penais.

Esse mesmo princípio deve ser seguido para se agredir o patrimônio pessoal de um sócio, que é protegido pela lei comercial sob a qual a empresa foi constituída. Pressupor que o sócio, mesmo que gestor responsável, tenha cometido infração legal ou contratual, cível ou penal e já solicitar a pena é abuso de forma e não pode ser aceita por nosso judiciário.

Os entes fiscais dispõem de recursos próprios, capazes de forçar o contribuinte a pagar o que realmente é devido ao Erário, e jamais, pode a administração pública utilizar-se de recursos condenados pela sociedade e pelo Judiciário para garantir a satisfação de suas obrigações, bem como, o cumprimento de seus direitos, como outrora quando existia a justiça privada.

Assim, também prevê a Constituição, Art. 5º, inc. LIII, ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente.Dessa forma, é cristalina a façanha do fisco em "sentenciar" os contribuintes.

O ordenamento jurídico, analisado como um todo orgânico e harmônico não pode abrigar tais transgressões aos mais basilares de seus princípios, ao ponto, de agora toda lei ser inconstitucional até que se prove o contrário, a ordem de valores jurídicos está sendo totalmente desprezada, prezando-se apenas a vontade individual dos governos que se utilizam da máquina estatal para dar o amparo jurídico necessários aos seus devaneios.

O combate a sonegação é imperativo, mas deve ser realizado através dos meios amplamente suficientes de que dispõe a fiscalização. Falta aos nossos representantes e governantes a compreensão de que projeto algum atende aos interesses da sociedade quando, acima dos interesses desta e dos direitos individuais, consagra o desejo de aumentar a arrecadação tributária – que mais do que ao povo, vem servido ao próprio governo, através de mecanismos intimidatórios incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Marcos Relvas

Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCC (1984) e mestrado em Direito pela Universidade de Franca - UNIFRAN (2004). Possui MBA em Gestão Empresarial pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS (2004). Publicou o livro Comércio Eletrônico Aspectos Contratuais da Relação de Consumo - Editora Jurua (2005). Foi Coordenador da pós-graduação em Direito da Universidade de Cuiabá - UNIC e Professor de Direito na graduação na Faculdade Afirmativo de Cuiabá e Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. Foi Coordenador da pós-graduação geral da Faculdade Cathedral de Barra do Garças-MT e Professor de Direito na graduação. Tem experiência como advogado nas áreas do Direito Empresarial, Tributário e Direito Internacional Privado. Atualmente é consultor jurídico independente e presidente da Associação Brasileira de Contribuintes.


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