Por Adriana Bitencourt Bertollo em 30/03/2020 | Advocacia | Comentários: 0
É verdade que estamos angustiados durante esse período de quarentena, em razão da decretação de isolamento social. Não importa a posição em que você se encontre: empregador, empregado, ambulante, profissional liberal, pai, mãe, filho(a), gerente, despachante, a lista é infinita e todos estamos transtornados.
Deixando um pouco de lado a preocupação diária com essa calamidade, também é certo que estamos cada vez mais criativos. Aqueles privilegiados de saúde e bem-estar, no conforto de seus lares e com bons equipamentos de internet, estão buscando uma nova forma de reconstruir suas relações profissionais e pessoais.
Nunca assistimos tantas lives, tantos vídeos e tanta digitalização e informatização de planos e sonhos. A quarentena, se alguém tinha alguma dúvida, trouxe um spoiler do futuro do trabalho.
Um futuro que já está presente, porém, em algumas circunstâncias, ainda não assimilado totalmente. O argumento necessita de mais provas?
Pois bem. Klaus Schwab, na obra “A Quarta Revolução Industrial” ironiza que “o Facebook, o proprietário de mídia mais popular do mundo, não cria nenhum conteúdo. Alibaba, o varejista mais valioso, não possui estoques. E o Airbnb, o maior provedor de hospedagem do mundo, não possui sequer um imóvel”.
O futuro do trabalho está totalmente atrelado ao mundo digital e esse período de isolamento social nos aproximou desse futuro, se é que ainda não afiamos as nossas ferramentas digitais (como se dizia antigamente: afiar o machado).
Estamos cientes de que o mundo do trabalho está em constante transformação e também estamos cientes de que nosso patrão, a depender do caso, poderá ser um “algorítmo”. Exemplo disso é o trabalho desempenhado pelo motorista do aplicativo Uber, que se vincula a uma plataforma digital.
A relação existente entre motoristas de Uber e o respectivo aplicativo, gerido por empresa de tecnologia, foi definida como sharing economy ou economia compartilhada, na qual a atuação do motorista se dá como empreendedor individual.
Aliás, no Brasil ainda não há um consenso nas decisões judiciais, sobre considerar o motorista de Uber como um empreendedor individual ou, então, um empregado da empresa que gere o aplicativo, de forma a ser destinatário dos direitos trabalhistas.
Entretanto, essa não é a única questão a ser enfrentada. Existem vários outros questionamentos que a sociedade precisa conhecer e se preparar para esse futuro que já se apresentou.
Empreendedores, envelhecimento populacional e a questão previdenciária (quem paga?). Como se definem os limites contratuais do trabalho em home office? Quem custeia a internet e demais equipamentos, quem se responsabiliza por um ambiente de trabalho adequado, como se evita a hiperconexão e a ausência de limites da jornada de trabalho? Como diminuir o abismo digital para aqueles que não possuem acesso à educação e à tecnologia?
Eis o futuro e a revolução que vem sofrendo o mundo do trabalho.
No início do século XX, vigorava o modelo fordista de produção industrial, no qual o empregado vendia seu tempo disponível ao empregador em troca de salário.
Atualmente isso muda de figura. O trabalhador está subordinado aos citados algoritmos ou comandos digitais. O trabalho formal tende a rarear e o empregado se torna um “empreendedor de si mesmo”.
Todas essas mudanças, causadas pelo advento da inteligência artificial necessitam cada vez mais do nosso grau de humanidade e talvez essa seja a maior lição a retirar do isolamento.
Referências
CARELLI, Rodrigo. Trabalho na Uber é Neofeudal, diz estudo: são empreendedores de si mesmo proletarizados. Disponível em: https://www.sul21.com.br/areazero/2019/05/trabalho-na-uber-e-neofeudal-diz-estudo-sao-empreendedores-de-si-mesmo-proletarizados/. Acesso em 09 de setembro de 2019.
Conjur. TRT de SP Reconhece Vínculo de Emprego entre Uber e Motorista. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-27/trt-sao-paulo-reconhece-vinculo-emprego-entre-uber-motorista. Acesso em 06 de setembro de 2019.
SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro. 2018
Superior Tribunal de Justiça. Motorista de Aplicativo é Trabalhador Autônomo, e Ação Contra Empresa Compete a Justiça Comum. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Motorista-de-aplicativo-e-trabalhador-autonomo--e-acao-contra-empresa-compete-a-Justica-comum.aspx. Acesso em 05 de setembro de 2019.
As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus
Sobre o autor
Mestranda em Direito das Relações Internacionais, no Uruguai, UDE. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Gestão Pública. Autora de artigos jurídicos. Advogada Pública Municipal com 14 anos de experiência, especialmente em licitações públicas, contratos administrativos, advocacia trabalhista empresarial, execuções fiscais. Exerce advocacia privada na área de direito dos servidores públicos estaduais.