Superendividamento na Sociedade de Consumo

A outra face do incentivo ao consumo desenfreado


Por Adriana Bitencourt Bertollo em 09/08/2019 | Consumidor | Comentários: 0

Tags: consumidor.

Superendividamento na Sociedade de Consumo

 

O consumo ocupa um espaço tão central no cenário moderno, que a “identidade” pessoal passou a ser definida a partir de estereótipos como: marcas, carros, moradia, elementos definidores de  status.

Lívia Barbosa, na obra “Sociedade de Consumo”, relata que o consumo tem protagonizado a sociedade contemporânea, muito além do intuito de satisfazer as necessidades básicas, caracterizando a era atual  como  geradora de uma “revolução do consumo”. 

O marketing de consumo tem sido cada vez mais profissional e convincente na arte de gerar a “necessidade” de consumir os mais variados objetos, criando sensações temporárias de prazer. 

Esse tema da sociedade moderna merece uma reflexão mais profunda, especialmente em países como o nosso, no qual, é bem comum a inexistência de cultura financeira e de uma cultura da poupança. O brasileiro é otimista ao extremo e, por assim dizer, capaz de comprometer o orçamento doméstico com a obtenção de crédito fácil, a fim de custear a aquisição de bens essenciais ou não, sem sopesar na “ponta do lápis” a superveniência de algum fator aleatório como desemprego, doença, divórcio, enfim, algo que possa vir a causar grave insegurança financeira. 

Assim, no Brasil, segundo dados de instituições como IBGE e ABECS (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito) houve períodos na economia denominados de “ressaca do crédito”, na medida em que as pessoas passaram a consumir mais do que a sua renda permitia, necessitando cada vez mais de empréstimos ou uso de cartões de crédito, gerando o endividamento excessivo. 

Nessa linha, doutrinadores como Cláudia Lima Marques esclarecem que o fenômeno do endividamento é normal na sociedade de consumo, uma vez que o endividamento é a outra face do crédito. Entretanto, o que se torna patológico, segundo lição dessa jurista, é o superendividamento

Com efeito, o superendividamento ou endividamento excessivo se torna cada vez mais atual em nosso contexto social: de desemprego, de flexibilização das regras formais de trabalho e de redução das taxas básicas de juros a fim de, justamente, estimular ainda mais o consumo. 

A legislação consumeirista no Brasil, embora possua elementos de forte proteção ao consumidor, ainda é insuficiente para tratar dessa gama de pessoas consideradas consumidores superendividados. Desse modo, é importante destacar que tramita na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 3.515/2015, que visa estabelecer mecanismos de prevenção e tratamento do superendividamento, acrescentando dispositivos ao Código de Defesa do Consumidor e ao Estatuto do Idoso. 

No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo, não existe a possibilidade de falência do consumidor pessoa física, apenas recuperação empresarial. Ainda na linha do direito comparado, inexiste uma legislação que determine a responsabilidade social das instituições que concedem crédito, especialmente no sentido de informar o valor total que será pago em um financiamento, por exemplo, concedendo o direito de arrependimento. Aliás, a obtenção de crédito, quando aprovado, geralmente, advém de um procedimento rápido, no qual uma assinatura é capaz de comprometer imensamente a qualidade de vida futura desse consumidor. 

Espera-se que esse cenário mude, a exemplo de empreendedores que frequentemente divulgam em suas redes sociais lições sobre organização financeira, avaliação de prioridades e alcance de metas pessoais. Também se verifica o resgate da cidadania em audiências de conciliação, propostas pelas Defensorias Públicas estaduais e que visam a composição das dívidas de seus assistidos. O advogado, em seu cotidiano de trabalho, resolvendo problemas bancários pontuais de seus clientes, também pode servir como influenciador de um estilo de vida mais compatível com a realidade de cada um.

É interessante que essas atitudes figurem como uma semente, a ser regada por instituições financeiras sérias e detentoras de maior responsabilidade social, estimuladas por uma legislação capaz de assegurar um mínimo de dignidade e compromisso com a cidadania.  

 

Referências

BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2004.

BAUMAN, Zygmnt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2008.

MARINHO, Thais Alves. Sociedade e Estado. Cultura e Economia: a busca de uma teoria do consumo. Brasília, v. 23, n. 3, p. 761-766, set./dez.2008.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Prevenção e Tratamento ao Superendividamento. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/seus-direitos/consumidor/Anexos/manual-tratamento-do-super%20endividamento.pdf

RETONDAR, Anderson Moebus. Revista Sociedade e Estado. A (Re)Construção do Indivíduo: a sociedade de consumo como ‘contexto social’ de produção de subjetividades. Brasília: v.23, n. 1, p. 137-160, jan./abr.2008. 

 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Adriana Bitencourt Bertollo

Mestranda em Direito das Relações Internacionais, no Uruguai, UDE. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Gestão Pública. Autora de artigos jurídicos. Advogada Pública Municipal com 14 anos de experiência, especialmente em licitações públicas, contratos administrativos, advocacia trabalhista empresarial, execuções fiscais. Exerce advocacia privada na área de direito dos servidores públicos estaduais.


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